Gritos na paisagem do nosso interior: a publicidade outdoors e a experiência sensível, nos percursos do quotidiano: à deriva por entre lugares imaginários

“Como é que a publicidade outdoors, servindo o sistema, a integração no social e a aceitação dos princípios da ordem de mercado, que legitimam o consumo massificado, se articula com a paisagem, sendo esta, sobretudo, um lugar de «resistência», a partir da indiferença à «personalização»? Defendemos a seguinte tese: a paisagem é uma instância última do devaneio, no intervalo, na diferença entre o espaço-tempo vividos e o espaço-tempo imaginários. Assim sendo, as imagens publicitárias outdoors, inscrevendo-se na paisagem, oferecem-se à suspensão do instante, à cristalização do desencontro e ao abrigo de contrários. A partir do visual, a publicidade agencia a nossa experiência sensível, estimulando em nós a irrupção da memória e do desejo. Falando à nossa dissidência interior, as imagens publicitárias outdoors exibem inusitados simulacros, através dos quais se exercita a «tirania da intimidade». Simultaneamente, tais imagens procuram abrigar o apelo ao esquecimento que, no quotidiano, nos tenta. É, precisamente, nesta ambiguidade que a publicidade procura captar-nos, hesitantes e imersos na paisagem. Nos percursos quotidianos de mobilidade por entre a paisagem, a interacção de cada um com o mundo exterior torna-se singular, eternamente constitutiva da sua própria individuação, tomada na sua transitoriedade, na sua incompletude, na sua dimensão (in)visível e reconfigurável, na sua expressão poética, transladada para uma espécie de universo imaginário de compensação, sobreposto à trivialidade e à violência que fazem a vida urbana contemporânea. Especialmente hábil e interessada na retenção do olhar dos transeuntes anónimos que, pontualmente, se encontram confinados à linguagem silenciosa e aos monólogos íntimos, que perfazem a invisível paisagem do seu interior, a publicidade outdoors interpõe-se, no seio de um dado entourage que há a ver, e no trajecto de emigração sensível, para fora da realidade quotidiana factual, como forma de esteticização dessa mesma realidade. Oferecidas, assim, na sua função-continente, enquanto «lugares de passagem», intervalos de tempo e de espaço, as imagens publicitárias realizam o simulado apaziguamento das nossas próprias contradições, a pacífica concomitância dos contrários, a aceitação acrítica das dissonâncias que nos apoquentam, a catarse, sugerida por meio da enfatização da experiência sensível, a qual se realiza na aproximação ao mundo dos objectos, na efémera adequação do corpo ao «lugar» (ou «não-lugar»), na entreabertura ao instante vivido. Trata-se aqui do último reduto onde o prazer de «être-ensemble» se liberta, sem os riscos das ligações efectivas, dos con-tactos pessoais, para lá dos constrangimentos do real e no apagamento de fronteiras entre o interior e o exterior, a realidade e o imaginário, o visível e o invisível, o individual e o social”.

Arquivo completo 

ANO

2007

AUTORES

Helena Pires | Orientador: Moisés de Lemos Martins