Vote (13) com amor

O Recife é uma cidade litorânea, capital do Estado de Pernambuco. Ela se situa no Nordeste brasileiro, uma região do país onde o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), venceu no primeiro e nos segundo turnos em todos os seus nove estados. No Recife Lula teve 558.690 votos (56,32% dos votos válidos), e o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (Partido Liberal – PL), 433.317 (43,68% dos votos válidos).

Apesar da maior adesão da população local ao candidato de esquerda, o sentimento vivido entre os habitantes do Recife no período eleitoral foi de grande polaridade em torno dos dois candidatos. Nas ruas da cidade, tal percepção esteve atrelada, entre outros símbolos, às cores que representavam os candidatos: a vermelha usada pelo PT, e o ‘verde e amarelo’, do Bolsonaro, pois essas sequer são as cores do PL.  Durante esse período, as camisas verde-amarelo, a bandeira e o hino do Brasil perderam parte de sua representatividade como símbolos nacionais, tomados pela propaganda de um líder político juntamente com o slogan de “Deus, Pátria, Família”.

A sensação foi de uma disputa constante e acirrada. Dentre os diversos motivos, havia evidentemente uma apreensão acerca de um resultado que dependia das demais regiões do território nacional. Além disso, percebeu-se uma circulação muito maior de símbolos, expostos nos espaços públicos, que marcaram a disputa política: as camisas esportivas da seleção do Brasil passaram a ser usadas por apoiadores do Bolsonaro; acessórios como brincos em forma de estrela, símbolo do PT, viraram moda entre aquelas que apoiavam o petista; os comerciantes de rua faziam uma espécie de varal para venda de toalhas de praia com as cores e fotos dos dois candidatos; e as bandeiras –  a nacional e a vermelha – foram estampadas nas fachadas de apartamentos ou exibidas pelas ruas, de maneira fixada aos automóveis.

Mas esse cenário, que poderia remeter a um clima absolutamente festivo, esteve também carregado da sensação de medo, provocado pelos atos de violência cometidos, em diversas partes do país, por eleitores de Bolsonaro contra aqueles que expressaram seu apoio ao ex-presidente Lula. Vale à pena registrar também a prática simbólica expressa no gestual comunicativo das mãos: o indicador em riste para cima com o polegar aberto indicava o L, do Lula, enquanto que o indicador para frente, com o polegar fechado, fazia referência a um revólver, gesto várias vezes empregado pelo Bolsonaro. Esses gestuais serviam por vezes de saudação, jogatina ou ameaça. No Recife, o caso de disparos de tiros contra um apartamento cuja fachada exibia uma bandeira vermelha, em setembro de 2022, assustou seus habitantes, que passaram a ter receio em exibir símbolos políticos. Seus significados passaram a ser tanto de intolerância como de insegurança.

Nessa descrição das ruas do Recife inspirada por uma narrativa Walter Benjaminiana, através de símbolos, signos e significados, tentou contextualizar parte das ‘ambiências políticas’ do Recife, percebidas e registradas na experiência urbana e no uso dos espaços públicos da cidade. Um uso que qualificou seus lugares, assim como seus habitantes.

Para aprofundar um pouco mais algumas reflexões no cenário Recifense, escolhi uma série de pichações inscritas em vermelho: “Vote (13) com amor”. Decidimos usar aqui o termo Pichação ao invés de Gratifi, por ser caracterizada como inscrições de caráter monocromático, feitas com spray ou rolo de pintura, que agregam um grupo em torno de uma linguagem comum, no emprego de signos comuns, cuja comunicação que passa pelas paredes (Spinelli, 2007). Associada ao candidato de número 13, Lula, a frase faz um apelo à não violência. Do ponto de vista espacial, essas inscrições foram feitas em locais estratégicos: em fachadas de maior visibilidade, em ruas de maior circulação, como cruzamentos e passagens obrigatórias de veículos, todas elas em muros de terrenos baldios ou edificações abandonadas.

Tais pichações contribuíram com a formação das “ambiências políticas” no Recife, ou seja, na caracterização de lugares que sedimentavam um posicionamento por parte dos seus habitantes. Diante da profusão de signos e símbolos, a pichação “Vote (13) com amor” procurou resgatar, de forma poética, alguns não-lugares da cidade, dando um novo uso e significado a estruturas abandonadas, sujeitas à especulação imobiliária. Tais estruturas passaram a esconder uma mensagem aparentemente secreta, mas que expressava o mais íntimo desejo de parte da população: “Vote (13) com amor”.

As fotos que ilustram esse ensaio referem-se à um desses locais de pichação: o muro de uma casa abandonada, exemplar da Arquitetura Moderna, numa esquina próxima à Universidade Federal de Pernambuco. Numa “rua de mão única”, a mensagem com um coração vermelho se grafa sobre um muro branco ao lado da indicação “Pouso Suave” e “VENDE-SE”. Ao longo do muro a população demonstra uma apropriação afetiva, com a implantação de um jardim colaborativo. Nesse contexto, longe de ser um ato de marginalidade ou poluição urbana, a pichação parece também dizer: “jamais poderão deter a chegada da primavera”, uma frase que marcou o último discurso de Lula antes de se entregar à Polícia Federal, em 07 de abril de 2018, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC de São Paulo.

Poucas semanas após os resultados das urnas darem a vitória democrática ao candidato Lula, em 30 de outubro de 2022, a cidade passa a se vestir de verde e amarelo. O sentimento festivo, a paixão pelo futebol, e a torcida pelo Brasil vão recuperando à conotação simbólica da bandeira e das cores verde amarelo: “É pra copa”. Na semana de abertura da Copa, um torcedor pendurou uma bandeira do Brasil na sacada do seu prédio e, para não ser confundido com um apoiador de Bolsonaro, alertou: “É pra copa”. A imagem ganhou grande repercussão nas redes sociais, como se pode ver aqui e aqui.

Nossa ideia foi tentar capturar e interpretar “a fala da imagem da cidade”(Ferrara, 2002, p. 21), de uma cidade polifônica (Canevacci, 1997), onde as representações terminam por serem constitutivas da realidade vivida e sentida pelos seus habitantes. A partir do caso de Recife procuramos apresentar algumas reflexões sobre como a cidade é percebida, experimentada e representada, tomando-a como um sistema comunicacional, no qual são reunidas informações sobre seus habitantes e, nesse caso específico, os grupos políticos que a constituem.

Texto e fotos: Julieta Leite, LiArq – UFPE, o Laboratório interdisciplinar de Arquitetura: estudos e pesquisas em Psicanálise, Fenomenologia e Imaginários da Universidade Federal de Pernambuco.

Publicado a 09-12-2022

Referências

Canevacci, M. (1993). A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. Studio Nobel

Ferrara, L. D. A. (2002). Leitura sem palavras. Ática.

Spinelli, L. (2007). Pichação e comunicação: um código sem regra. Logos14(1), 111-121.

 

LOCALIZAÇÃO

LOCAL: PE

LATITUDE: -8.0578381

LONGITUDE: -34.8828969