Paz, pão, arte urbana, saúde e educação
Quinta do Mocho, 2019
Há 50 anos existiam no que é hoje o bairro da Quinta do Mocho em Loures, às portas de Lisboa, uns quantos arruamentos. Logo após o 25 de Abril fizeram-se alguns avanços no projecto de construção de um bairro social, para tudo ser interrompido depois de 1978. Durante os anos 80 e 90 do século XX, ainda com os prédios inacabados, aconteceu uma ocupação progressiva do que pouco mais era do que um estaleiro.
Terminaram-se apartamentos como se pôde, e quem não pôde, construiu barracas em torno dos prédios. Cerca de três quartos dos residentes eram dos PALOP, e as condições de salubridade eram péssimas.
Os anos 90 trouxeram mudanças e melhorias, e a Expo 98 acelerou processos de erradicação de barracas e de construção de novos bairros e respetivos realojamentos, sobretudo nestas áreas envolventes. Na Quinta do Mocho, os realojamentos fizeram-se já no novo milénio, com a construção de um “Novo Mocho” ali ao lado, com 93 edifícios, e um total de 680 fogos.
Em 2014 a 2ª edição do Festival O Bairro i o Mundo, uma coprodução da Câmara Municipal de Loures e da associação artística Teatro Inter Bairros para a Inclusão Social e Cultura do Otimismo, teve lugar na Quinta do Mocho. De entre várias atividades culturais, a arte urbana destacou-se, tendo mesmo levado à criação da Galeria de Arte Pública.
Hoje, Vhils, Bordalo II, Odeith, e coletivos como o 40 Anos 40 Murais, o Colectivo Rua ou o Projecto Matilha estão presentes no bairro, e cerca de 70 empenas de prédios tiveram intervenções artísticas. As representações são diversas, desde Amílcar Cabral e Bob Marley, a moradores do bairro. Tornou-se um lugar-comum dizer-se que a Quinta do Mocho é o maior espaço de arte pública da Europa. O bairro entrou nos guias turísticos. O Lonely Planet por exemplo, no tour que propõe pelos murais de Lisboa, afirma que a Quinta do Mocho: “(…) is one of the biggest Street outdoor Street Art galleries in the world! Be prepared for the 108 murals that they have! Duration: 3 hours”. Há já artistas urbanos internacionais em lista de espera para intervir no bairro, e iniciaram-se visitas guiadas, muitas vezes lideradas por moradores.
Mas em 2008 a Quinta do Mocho foi rebaptizada Terraços da Ponte, e o topónimo causa alguns arrepios, pois encaixa-se melhor na cidade neoliberal do “Mocho Velho”, que após o realojamento foi transformado em condomínios de luxo, do que na área do “Mocho Novo”, apesar de esta estar agora nos roteiros internacionais de arte urbana. O “Mocho Novo”, alas Terraços da Ponte b, passou a ser mais falado pela arte urbana do que pela violência, e em diversos fora discutem-se as transformações e melhorias que a arte tem induzido na autoestima dos moradores e no aprofundar de um sentido de comunidade. Não é de descurar, obviamente. Mas esta criatividade como motor de produção de uma nova urbanidade, esta maquilhagem, não chega, e é pouco enquanto política estável de habitação. A Quinta do Mocho continua a ser um bairro social com problemas profundos, com pouca porosidade urbana, com fracas acessibilidades, num país em que a habitação é o parente pobre do Estado Social.
Por: João Sarmento, 01/2020
LOCALIZAÇÃO
LOCAL: Lisboa
LATITUDE: 38.831549
LONGITUDE: -9.1741095