O Projeto Xenia e a inocência do verão Grego

Em 2019 deparei-me com uma destas ruínas que absorvem a paisagem. Por muitas voltas e posições que desse, ficou sempre na fotografia (Fig. 1). O lugar é Nafplios, cidade portuária grega do Peloponeso, que participou nas expedições dos Argonautas e nas Guerras de Troia, entrou em declínio no período romano e floresceu nos tempos Bizantinos, cidade em que Francos, Venezianos e Turcos deixaram marcas. Com as suas camadas de história e ruínas, a duas horas de Atenas, é quotidianamente invadida por turistas-excursionistas e por multidões de estudantes das mais distantes escolas do país que vêm ver aquela que foi a primeira capital da República Grega e do reino da Grécia entre 1821-1834. A história da ruína que aqui convoco não é assim tão antiga como as marcas que atraem os visitantes. Tem cerca de 70 anos, e a sua vida começou quando o governo Grego, através da sua Organização Nacional de Turismo, fez uma série de investimentos no setor do turismo. O contexto foi o da reconstrução económica do país no pós-2ª guerra mundial, em grande medida devido ao plano Marshall e à sua condição de único país não comunista dos Balcãs. Durante duas décadas, vários arquitetos modernistas trabalharam no projeto Xenia (hospitalidade), que materializou um total de 56 hotéis, motéis, pousadas e pavilhões, todos funcionais, simples, padronizados, na procura de estabelecer normas de qualidade elevadas com custos controlados. Ainda que se possam encontrar alguns paralelos entre os projetos Xenia e as Pousadas de Portugal, criadas em 1942, e mesmo com os Paradores espanhóis, o projeto português aproveitou edifícios históricos pré-existentes, tendo objetivos de conservação, e pretendeu dar materialidade ao imaginário oficial da portugalidade, o oposto da linguagem universalista e funcional do projeto grego. Sfaellos (1950-1957) e Konstantinidis (1957-1967) lideraram o projeto Xenia, corporizando o boom, a internacionalização e reconstrução da economia grega nos anos 50 e 60 do século XX. Os projetos ocuparam sítios com interesse arqueológico, topográfico ou turístico, e representaram o mais importante investimento público de construção em massa do país. Finalizado em 1974, o projeto terminou oficialmente em 1983, se bem que já entre 1970 e 1980 estivesse em declínio, em parte porque o governo militar de 1967 apostou na massificação do turismo, havendo uma perda no valor destas unidades. Em consequência deste declínio, alguns destes hotéis foram demolidos (6), abandonados (19), viram os seus usos alterados (7) — sendo que muitos foram transferidos para um fundo com o objetivo de reduzir a dívida pública — e renovados, estando ainda em uso (19). Muitos destes últimos foram concessionados com contratos pouco favoráveis para o Estado, não se tendo salvaguardado a preservação, expansão e intervenção.

O Xenia de Nafplio foi pensado em 1950-51, projetado por Jason Triantafyllidis em 1958 e aberto ao público em 1961 (Fig. 2). O arquiteto foi também responsável pelo desenho e escolha do mobiliário, tecidos, iluminação e peças de arte. O volume de três pisos com 58 quartos, polemicamente construído em cima do bastião de Akronafplia, implicou a destruição do que restava da fortificação veneziana. Nos anos seguintes, o progresso justificou a demolição de várias outras estruturas arqueológicas, por forma a dar lugar a um outro hotel do projeto Xenia, o Xenia Palace (51 quartos e 33 villas), que abriu em 1979. O Amfitrion, o terceiro do projeto, abriu mais tarde em frente ao mar no coração da cidade antiga.

No ano de 2000, o grupo privado Mantonanakis ficou com a concessão do grupo de três hotéis de Akronafplia por 30 anos, mas decidiu explorar apenas dois deles. Ao fim de cerca de 40 anos de funcionamento, o Xenia de Nafplio foi abandonado. Encerrado há quase duas décadas, o edifício agora eviscerado, está aberto a curiosos, ruinófilos, turistas, toxicodependentes, exploradores urbanos, grafitters e diversos outros artistas (Figs. 3-6). Há quem defenda que a destruição criativa que deu origem ao Xenia Nafplios deveria agora abrir portas à demolição do edifício, mas há também quem defenda que se deveria procurar reabilitar o hotel e recuperar “o orgulho grego” que não encontra lugar no tempo pós-Troika. E há gente como Anna Dimitriou, uma artista e ativista de Atenas (será a cidade mais grafitada do mundo?), que iniciou um projeto de decalcomania, a que chamou de Xenia Hotels Project. Este projeto pessoal passa por pintar em todas as paredes de todos os hotéis Xenia que ainda estão em pé, questionando a sua existência enquanto espaços abandonados, rejuvenescendo a sua existência quotidiana e interrogando a crise económica e social do país (Fig. 7). A sua arte urbana é fusão de estética e política, e as figuras que representa através de colagens e técnicas de pintura a óleo coloridas, sobretudo mulheres do passado com um look contemporâneo, criam uma tensão entre a ruína de hoje e a nostalgia das promessas de lucro do turismo grego e da satisfação eterna dos turistas. Em Nafplios deixou umas guerreiras da luz, que são anjos, e que ficaram a guardar este hotel. Nas suas palavras é uma tentativa de “reviver a inocência do verão grego”.

 

Por: João Sarmento, 01/2019

 

 

 

 

LOCALIZAÇÃO

LOCAL: Nafplio, Grécia

LATITUDE: 37.5673173

LONGITUDE: 22.8015531