No Porto, pelas ruas fora… à procura do 25

O rumo estava definido, fotografar o número 25 de algumas portas em ruas emblemáticas do Porto. Constituição, Lapa, Sá da Bandeira, Cedofeita, Miguel Bombarda, Flores, Sta Catarina, Antero de Quental, Miraflor e outras mais, eram as escolhidas.
O projeto, mentalmente estabelecido, apresentava execução fácil, previsível e linear. Afinal, bastaria percorrer a pé cada uma das ruas e fixar em imagem o número 25 das portas de cada uma dessas ruas. Para além do mais, diga-se que quase todas essas ruas fazem parte de uma certa rotina pedonal, quase que quotidiana.
Iniciado o percurso, fixámos o 25 de algumas ruas e tudo acontecia com normalidade. A estética visual, previamente definida, consistia em fazer exposições múltiplas, batendo duas imagens no mesmo fotograma, com enquadramentos diferentes.
Surge, então, a Rua da Constituição, umas das mais longas e movimentadas da cidade.
Entusiasmados em ver como seria o 25: metálico? em pedra? desenhado na própria porta? entre outras possibilidades. Depois de calcorrearmos umas boas centenas de metros, a primeira surpresa: não existe porta com o número 25. Sim, leu bem, o 25 foi anulado, subtraído, riscado da vida desta rua. Há várias que sentem esta ausência e que parecem reivindicar esse número mágico. Outras, nem sabem que ele não existe.
Sem desânimo, continuámos por outras ruas periféricas e fixámos mais uns tantos 25, até desembocarmos na Rua da Lapa. Esta não tem habitação do lado esquerdo, ou direito, dependendo da direção em que passamos pela rua. Então, a numeração reúne-se toda do outro lado, levando a que o 25 esteja entre o 24 e o 26.
Moral desta breve história pelas ruas fora à procura do 25: O 25 pode estar, ou não estar, mas, parece-nos, que não estando não é a mesma coisa.

As ruas são espaços de memória, convívio, partilha, passagem…
Umas, compridas e largas, que mais parecem avenidas
Outras, estreitas, sinuosas e íngremes que nos retêm os passos
Há também ruas que mais parecem praças, mas chamam-se ruas

As ruas são espaços de memória, convívio, partilha, passagem…
Há ruas que não gostam de carros e são felizes
Algumas vivem de dia, outras espreguiçam-se pela noite dentro
Há ruas que nunca acordam, porque se recusam a dormir

As ruas são espaços de memória, convívio, partilha, passagem…
Há ruas que gostam da revolução e parecem poemas
Outras há que são literatura e não esquecem a liberdade

As ruas são espaços de memória, convívio, partilha, passagem…
Há ruas ausentes que se parecem esconder
Mas, outras há que celebram o 25 todos os dias

“As ruas são espaços de memória, convívio, partilha, passagem…
Há ruas ausentes que se parecem esconder
Mas, outras há que celebram o 25 todos os dias”

A liberdade tem som: é uma multidão à espera que um país mude, à porta do Quartel do Carmo. Será que a porta tinha número? Se calhar, não. Mas o dia tinha: era 25. A memória desse largo sem número, num dia com número nunca mais esquece, mesmo que a queiram apagar. Há caminhos que parecem ir dar a becos, sem números nas portas ou melhor, até podem as portas ter números, mas não terão o número 25. Nem terão duas vezes 25. É que há ruas que “são espaços de memória” e há becos que são falta dela, que conduzem a ausências de saída (dead ends), que apagam o número 25. Mas a liberdade teima em ter som e cor: não estava sol. Estava uma chuva miudinha, teimosa, como a multidão à porta do Quartel do Carmo, como os tanques saídos de quartéis pela vontade daqueles que não queriam mais a guerra, nem o silêncio obrigatório, nem o olhar constante por cima do ombro, à espera que aparecesse o tal beco sem saída ou o beco de onde a polícia saía, para apagar a chama da liberdade em qualquer dia, a qualquer hora. A busca continua, porque há vias que apagam o número 25. Que elas não se tornem avenidas, que sejam elas reduzidas a becos sem saída. A liberdade tem som e tem um número. Se o apagarem nas paredes, nas portas, nos umbrais, o número ficará na nossa memória, como o dia “inteiro e luminoso”, mesmo sem sol. A liberdade tem som: o som de um rádio aceso no corredor longo de um quartel, à espera da saída para a via larga de um mundo melhor.

Texto: Francisco Mesquita (CECS – Universidade do Minho) e Teresa Toldy (Universidade Fernando Pessoa)

Fotografia: Francisco Mesquita (CECS – Universidade do Minho)

LOCALIZAÇÃO

LOCAL: Porto

LATITUDE: 41.1579438

LONGITUDE: -8.629105299999999