Londres: O Choro (Online?) das Minorias
Nunca vi tantas manifestações como em Londres. No entanto, tenho observado, em algumas delas, certas coisas que me têm deixado a pensar nesse ato em si. A refletir do ponto de vista das dinâmicas sociais, e não ancorado a um pensamento ou tendência ideológica, ou de outro tipo…
Os ‘diretos’: do offline para o online
David Graeber (2013) defende que a democracia necessita de ações no espaço público – um espaço que hoje se estende, evidentemente, cada vez mais para o online. Mas a minha pergunta é se, nestes casos em particular, o espaço está realmente a crescer, precisando de ser preenchido online e offline ao mesmo tempo pelas mesmas pessoas, ou se esta duplicação simultânea enfraquece o momento coletivo, porque as pessoas não estão totalmente lá, ficando “partidas” entre o online e o offline. Também nesse sentido, recordo que Hannah Arendt (1998) escreveu que o ser humano precisa de um “espaço da aparência”, e até aí tudo bem. É preciso um espaço onde as ações ganham significado no encontro com o outro, seja mais offline no passado ou mais online nos dias de hoje. Mas, nestes casos em particular, quando uma pessoa preenche os dois ao mesmo tempo, estarão as ações dessa pessoa a expandir-se do físico para o digital, ou apenas a fragmentar-se entre os dois, perdendo assim presença em ambos? Não sei, mas gostava de saber…
Os filtros: entre o choro e o riso
Outro aspeto que me intriga, e que se liga ao que explorei em A Cultural History of Laughter (2024), é como algumas manifestações que presenciei, embora bastante leves no momento, foram depois noticiadas como tensas. Para quem as viu, o que ficou marcado foram momentos de riso e descontração. A minha pergunta é: porque é que, debaixo das chamadas “manifestações” ou “protestos” nos média em geral, se dá mais valor ao choro simbólico do que ao riso real? Não consigo perceber mal nenhum – talvez esteja limitada a minha visão neste campo em particular, como em tantos outros, certamente – em relatar que essas pessoas riram, beberam e se divertiram juntas (manifestando-se a favor ou contra algo). Relembro que a História, em geral, mostra-nos que o riso pode ser tão ou mais revolucionário do que o choro – rir em momentos de adversidade é que é resistir; chorar é ceder…
Em suma…
Manifestar-se entre o offline e o online, e entre emoções negativas e positivas, tem chamado a minha atenção nos últimos tempos. Parece-me que existe uma ambiguidade, uma mistura de seriedade e celebração, que marca algumas das manifestações de hoje. Diria que este fenómeno se encaixa plenamente na ideia de pós-modernidade, mas isso seria reduzir a complexidade social a um rótulo – algo que não faz justiça à sua verdadeira riqueza. Por isso, digo apenas que não sei o porquê de isso acontecer, mas gostava de saber.
Texto: Abílio Almeida (CECS – Universidade do Minho)
Imagem: Martin Vorel (CC0 – Domínio Público)
Publicado a 09 de janeiro de 2025
Referências:
Almeida, A. (2024). A Cultural History of Laughter. Routledge.
Arendt, H. (1998). The Human Condition. University of Chicago Press. (Original, 1958)
Graeber, D. (2013). The Democracy Project. Allen Lane.
LOCALIZAÇÃO
LOCAL: Inglaterra
LATITUDE: 51.5072178
LONGITUDE: -0.1275862