Graffiti: Novas temáticas e relações através das tecnologias digitais
O graffiti está presente no nosso quotidiano e conquistou reconhecimento ao redor do mundo. Uma forma de expressão artística com grande poder de comunicação, a dar voz e novas impressões às localidades que, através da pintura de muros, prédios e comboios, insere-se, assim, na cultura visual, numa atmosfera de constantes manifestações artísticas em espaços públicos a despertar sentimentos. Uma arte acessível a todos, sem distinção de classes sociais, etnias e nível intelectual. Se comparada com as artes visuais tradicionais, o tempo de durabilidade dos graffitis e murais é menor, mas essa reduzida durabilidade é amplamente compensada pelo grande alcance popular, pela sua força de intervenção e de integração na atmosfera urbanística e na sua capacidade de dialogar com todos que ali transitam, numa comunicação humanizada que coloca a urbe num novo patamar de contemporaneidade.
Com o graffiti, os espaços públicos passam da primazia da funcionalidade para espaços de sociabilidade, uma linguagem artística que provoca o sentimento comunitário a integrar as práticas culturais populares e que concorre para a metamorfose da cidade. Uma arte que possui na sua essência a comunicação direta e de múltiplos significados, a influenciar costumes, publicidade, design e moda. “Nessa direção, em meio à conexão entre estética e arte, faz sentido que o graffiti seja inserido na moda, por ser cativante e jovem” (Ribeiro, 2017, p. 19). Acresce o facto de o graffiti ter sido uma linguagem artística que teve as suas origens voltadas para protestos, passando pela marginalização até chegar a criações de murais e alcançar o estatuto de obra de arte. “A evolução da arte de rua, desde os graffitis até aos murais, reflete uma transformação significativa nas expressões artísticas urbanas” (Araújo, 2004, p. 1). Atualmente, diversos grafiteiros possuem a suas obras expostas em famosas galerias de arte e museus, além de Bienais criadas exclusivamente para esse segmento das artes visuais. Contudo, a quebra desse paradigma de que o graffiti era, inicialmente, considerado apenas um ato de vandalismo, é atribuída também a dois artistas urbanos: Jean-Michel Basquiat, que começou a sua carreira artística grafitando paredes de prédios em Manhattan e, posteriormente, tornou-se uma celebridade no campo da arte contemporânea, com trabalhos voltados para temas ligados às questões sociais.
“As pinturas de Basquiat também foram imagens de ataque a estruturas e sistemas de racismo, enquanto sua poética foi veículo da sua crítica ao colonialismo” (Marques & Nunes 2013, p. 9); e Keith Haring, que introduziu um estilo de murais fortemente influenciado pela Arte Pop nas escadarias e metros da cidade de Nova York, obras com temáticas originais no universo do graffiti, nomeadamente trabalhos ligados à luta contra preconceitos com pessoas infectadas com o VIH, à prevenção da SIDA e temas relacionados com a homossexualidade. Keith Haring também inseriu as suas obras em objetos de bens de consumo, T-shirts, canecos, cadernos, etc., além de ter desenvolvido trabalhos na área da publicidade.
Diante dos novos temas abordados por esses artistas e outros mais, e com o advento das novas tecnologias da comunicação, é importante notar que o graffiti foi levado para outros patamares, tanto no que diz respeito ao mundo comunicacional, quanto para novas temáticas apresentadas por seus criadores. O graffiti, um dos pilares do movimento Hip-Hop, foi considerado uma nova forma de arte, uma vez que as redes sociais passaram a ser uma espécie de expansão virtual dos muros, paredes, prédios e objetos urbanos. Ganhou assim uma visibilidade diferenciada para o grande público, referente as criações de murais realizados em paredes e muros de localidades de diversos países. Nessas extensões de suporte virtual, quando essas criações são expostas nas redes sociais, não existe um prazo determinado de duração, o que resulta numa nova perspetiva da sociedade relativamente às intervenções urbanas.
Transformações e fusões de técnicas estão presentes na essência do graffiti, como um elemento expositivo, compositivo, de mensagem, estilo e de conteúdo. “É uma linguagem mutável e crescentemente globalizada, presente sob diferentes tonalidades nos quatro cantos do planeta” (Campos, 2012, p. 5). Além de paredes, muros e mobiliário urbano, os comboios eram os únicos suportes móveis que os writers tinham para fazer com que as suas criações circulassem por diversas regiões. Evoque-se ainda o papel das publicações de revistas voltadas para Hip-Hop. No entanto, as redes sociais aumentaram significativamente a divulgação dos murais para mais pessoas. Blogues, sites e outros veículos de comunicação virtual contribuíram para o crescimento de novas relações, colaborando para o profissionalismo desses artistas urbanos. É imperativo observar que, devido às novas tecnologias de comunicação, o surgimento de Networks, residências artísticas ligadas ao universo da arte urbana, se multiplicaram. E por esse facto, o graffiti não rebelde cada vez mais, ganha maiores proporções. Além desse facto, o graffiti, unido às novas tecnologias da comunicação, também consegue auxiliar, de forma muito mais eficaz, na luta contra o preconceito em bairros periféricos e sociais. Por essas vias, divulgar-se para todo o mundo as criações de murais destas localidades e estimula-se o surgimento de olhares livres de preconceitos e fundamentados em libertários sentimentos: as localidades “ganham novos significados e configurações e tornam-se importantes no ato coletivo de expressão, comunicação, mas também de educação” (Pawlak, 2024). Em Portugal como exemplo, podemos citar o Bairro Quinta do Mocho, Bairro Padre Cruz, ambos em Lisboa, em Loulé, no Distrito de Faro e o Bairro da Cumieira na cidade de Fafe, onde, em 2023, através do projeto Café Cultural Residências Artísticas, em parceria com a Câmara Municipal da referida cidade, foram realizados três murais através da curadoria e direção do projeto Café Cultural Residências Artísticas, mas que já foram o suficiente para se ter percebido a reação positiva daquela comunidade, no sentido de preservar e de ter orgulho do lugar onde vivem.
Figuras 01 e 02 – Mari Pavaneli na realização do mural (2023). Fotografia: J. Vicente dos Santos (Vicente Coda)
Figura 03 – Mural finalizado. Artista: Mari Pavanelli (2023), Bairro da Cumieira-Fafe. Fotografia: J. Vicente dos Santos (Vicente Coda)
O primeiro mural criado no Bairro da Cumieira, em homenagem à mulher, foi de autoria de artista brasileira Mari Pavanelli, em seguida vieram as criações dos artistas Giusepp Amed (Itália) e João Laranja (Portugal). O mural, criado pelo artista Giusepp Amed, foi inspirado no estilo “Natureza Morta”, intitulado a “Viva a Natureza e Não a Mate”, a fazer uma analogia com o nome deste clássico estilo, em que o artista propõe uma reflexão sobre os problemas causados pela poluição e, ao mesmo tempo, alerta para a importância da reciclagem de objetos descartáveis para a preservação do meio ambiente.
Figuras 04 e 05 – Giusepp Amed na realização do mural (2023). Bairro da Cumieira-Fafe. Fotografia: J. Vicente dos Santos (Vicente Coda)
Figura 06 – Mural finalizado. Artista: Giusepp Amed (2023), Bairro da Cumieira-Fafe. Fotografia: J. Vicente dos Santos (Vicente Coda)
O terceiro mural criado pelo artista João Laranja foi destinado às crianças. Criado estrategicamente numa pequena praça localizada no referido Bairro, a retratar as brincadeiras de rua muito comuns antigamente, com o apelo de não deixar que elas sejam esquecidas com o passar dos tempos.
Figuras 07 e 08 – João Laranja na realização do mural (2023). Bairro da Cumieira-Fafe. Fotografia: J. Vicente dos Santos (Vicente Coda)
Figura 09 – Mural finalizado. Artista: João Laranja (2023), Bairro da Cumieira-Fafe. Fotografia: J. Vicente dos Santos (Vicente Coda)
As redes sociais foram fundamentais para que a curadoria do projeto Café Cultural Residências Artísticas tivesse acesso aos trabalhos realizados pelos três artistas citados acima. Para participar do projeto como artista residente, é necessário se inscrever no edital ou receber uma proposta da organização. Esse é mais um exemplo das frequentes ligações entre artistas e instituições que trabalham com as artes urbanas fazendo uso da tecnologia digital. “As tecnologias digitais, afirmam-se como protagonistas inquestionáveis de novas dinâmicas sociais e culturais” (Campos, 2012, p. 13). Como qualquer outro projeto de residências artísticas, seria muito difícil para o Café Cultural Residências Artísticas conseguir reunir, anualmente, oito artistas de nacionalidades diferentes para a realização de murais e ministração de workshops em diversas instituições como escolas secundárias, associações de aposentados e Cercis, sem as existências das novas tecnologias de comunicação. E o processo de criação do graffiti em localidades habitacionais, bairros sociais, instiga nas pessoas a curiosidade e a aproximação com os artistas, uma relação de troca de conhecimentos para com aquela localidade, uma espécie de célula reprodutiva de influências artísticas que expõem nos espaços públicos e no universo digital através das redes sociais, obras para todo o público, uma realidade que possui uma forte influência positiva sobre as pessoas.
Autor: José Vicente dos Santos (Vicente Coda)
Vicente é Mestre em Comunicação, Arte e Cultura, Doutor em Ciências da Comunicação, Produtor Cultural e criador e curador do projeto Café Cultural Residências Artísticas (Arte Urbana), Artista Plástico, autor de peças teatrais e músico.
Publicado a 11/10/2024
Referências
Araújo, Y.B.(2004). A Evolução da arte de rua: do graffiti aos murais. https://kulturkaleidoskop.com/?p=1856
Campos, R., (2012). A pixelização dos muros: graffiti urbano, tecnologias digitais e cultura visual contemporânea. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, 19(2), 543-566.
Marques, J. & Nunes, T. (2013). Jean-Michel Basquiat. https://tiagornunes.wordpress.com/wp-content/uploads/2013/10/book-basquiat.pdf
Pawlak, S. (2024). O que as paredes nos ensinam? A arte de rua como potencial de educação. Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto. https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/159446
Ribeiro, T. B. (2017). Roupa urbana, a moda e o graffite. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) — Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Apucarana. https://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/5818/2/AP_CODEM_2017_2_01.pdf
LOCALIZAÇÃO
LOCAL: Braga
LATITUDE: 41.4590173
LONGITUDE: -8.162923