Entre ruínas e imaginários:  Confiança, Sarotos e Torneiras Império

Paredes que falam, que nos contam histórias do que já foram um dia. Assim, podem ser consideradas as ruínas, afinal, como não imaginar o dia-a-dia dos trabalhadores ao chegar e ao sair das fábricas, os risos, os múrmurios, os amores, as alegrias, as dores … todo um misto de sentimentos que perpassam as épocas e que estiveram ali, contidas, no interior do que hoje são apenas paredes desgastadas pelo tempo e abandono? Etimologicamente a palavra ruína é originária do latim ruína, do verbo ruĕre que expressa o ato de cair, de desmoronar. No entanto, as ruínas estão para além disso, demonstram a força do passado que insiste em se fazer presente na atualidade. Evoca a força da “imagem dialética” (Benjamin, 1994), que expressa uma dualidade entre a vida e a morte, o abandono e a permanência. Enquanto formadora de  imagem e de imaginário, revelam características de fragmento e rastro (Barthes, 1984).  As ruínas tensionam  beleza e experiência estética ao evidenciar o “caráter implacável do tempo, a decadência do poder, a morte inevitável” Danto (2006, p. 109 ). Ao mesmo tempo, a ruína seria capaz de evocar uma beleza poética que denota a passagem do tempo e as relações entre o sujeito e a temporalidade.

É nesta tensão entre a força de uma história do passado-presente e de uma experiência estética do sujeito diante das ruínas industriais  que se inscreve este micro-ensaio, um exercício de deambular pelas ruas de Braga a observá-las despretenciosamente, permitindo uma conversa entre sujeito e urbe. E as paredes? Estas  parecem sussurrar histórias ao pé do ouvido e nos permite, por meio de seus rastros, imaginar narrativas do banal, do comum , do dia-a-dia das atividades industriais que aconteceram em finais do século XIX e meados do século XX, na região central de Braga. Para tal, estivemos em três sítios: na antiga Saboaria e Perfumaria Confiança , na Rua Nova de Santa Cruz, em Gualtar; nas ruínas do prédio da fábrica de peças automotivas Sarotos, na Rua João Cruz, em São Vitor e onde funcionou a Torneiras Império (Casa Santos), na N309, próximo ao Largo São João da Ponte.

Estas três ruínas industriais nos oferecem um fragmento do  potencial industrial que havia em Braga em meados do século XX,  quando a cidade possuia uma produção metalúrgica expressiva com grandes fábricas como a Pachancho, Sarotos, Ramoa e ETMA. Além de outras menores como a Onça e a Torneiras Império. Para além da metalurgia, havia a tradicional Saboaria e Perfumaria Confiança, fundada em 1894, cuja operação fabril decorria na Rua Nova de Santa Cruz. De acordo com informações disponíveis no site da empresa, entre as décadas de 1950 e 1960, a Saboaria e Perfumaria Confiança produzia mensalmente cerca de três milhões de dúzias de sabonetes disponibilizados ao retalho, à hotelaria e outras empresas em que se utilizavam sabonetes personalizados.

Ao caminhar pela Rua Nova de Santa Cruz, o edifício da Saboaria e Perfumaria Confiança logo nos chama a atenção pela grandeza e imponência. As portas e janelas são grandes e a  parte superior tem formato arrendondado (Figura 01). As janelas já não possuem vidros e estão fechadas por tapumes. Ao mesmo tempo em que se apercebe o abandono e desuso do prédio,  pode-se dizer que há um certo nível de preservação. Palavras de ordem foram pichadas nas paredes e cartazes foram colados nas portas. Um em especial chamou-me a atenção e fez emergir uma série de afetações por fazer  referência a Mariguella e a vereadora do Rio de Janeiro, morta em 2018, Marielle Franco (Figura 02). Na fábrica Sarotos  (Figura 03), a destruição  patrimonial é ainda mais evidente.  À beira da Rodovia, as ruínas industriais de Sarotos ganham notoriedade em meio aos prédios e não passam despercebidas devido ao seu tamanho. Na lateral (Figura 04), onde ficava a entrada principal da fábrica, é possível visualizar a grande estrutura daquela que um dia já foi uma das maiores fábricas de peças automotivas de Braga. Em menor proporção está a Torneiras Império (Figura 05), que ostenta uma placa de «vende-se». É esta dialética entre passado e presente que faz das ruínas um ambiente fascinante, um espaço fantasmagórico, porém rico em informações e fragmentos da memória coletiva. Um lugar que mexe com o imaginário, que desperta lógicas através de rastros afim de remontar o quebra-cabeças da história.

 

Por: Elaine Trindade, 01/2020

Referências bibliográficas:

 

Barthes, R. (1984). A Câmara Clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Benjamin, W. (1994). Obras Escolhidas III: Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense.

Danto, A. C. (2006). Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odisseus Editora.

Peixoto, N.B. (2010). Cenários em Ruínas: a realidade imaginária contemporânea. Lisboa: Gradiva.

LOCALIZAÇÃO

LOCAL: Braga

LATITUDE: 41.54544860000001

LONGITUDE: -8.426506999999999