DO PORTO AO PORTO – SOMBRAS & POESIA
Durante sete meses dois amigos separados pelo imenso Atlântico encurtaram a distância física com sombras e poesia. Agora publicam o resultado desses ensaios visuais num microensaio escrito a quatro mãos, entre a prosa e a poesia, onde a arte é o lugar de todas as liberdades.
Arte é liberdade.
é o tudo e o nada de tudo
a multiplicidade na complexidade do universo
o acaso, intenção, deleite, surpresa, ironia e fragmento
a divagação, penumbra, sombra e reflexo
a procura
o gesto no instante que passa!
E olhares da espuma dos dias…
Do Porto ao Porto – sombras & poesia é um pequeno ensaio que reúne momentos que se foram manifestando de março a setembro de 2022. A fotografia e a poesia são as linguagens desta manifestação, que mais não é do que diálogo, partilha e conexão entre o Brasil e Portugal, protaganizado por dois amigos: Madeleine Müller, Porto Alegre e Francisco Mesquita, Porto.
Passado este tempo e reunindo todos os fragmentos mensais, surge agora este ensaio que espelha esses momentos, mas deixa também um texto de ambos. Um texto livre, sem margens, que expressa a dimensão fluída de todas as viagens, as viagens de sombra também.
DO OUTRO LADO
Quando começamos a pensar no projeto Do Porto ao Porto, projetando sombras e pensamentos em locais ou contextos em comum, eu e o Francisco buscamos estar mais próximos e amenizar a distância entre Porto Alegre, no sul do Brasil, e Porto, no norte de Portugal. Queríamos manter nossos instantes e partilhas, as trocas de ideias, o exercício do criar juntos, mesmo separados. Nesse desejo de preservar nossa amizade, com vidas e rotinas distantes, vivendo a cerca de 9 mil quilômetros um do outro e com um oceano entre nós, foi impossível para mim não lembrar de um livro marcante de minha adolescência, Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach.
Através de suas metáforas, pude refletir e perceber que estamos, em verdade, onde nosso coração está, não importa tempo ou distância, porque os sentimentos de amor, amizade, compaixão, saudade, não desaparecem na ausência física, apenas descansam em algum lugar, dentro de nós. Sempre que contamos uma história sobre a verdadeira amizade, entendemos que ela é uma construção constante, num eterno vir-a-ser, e o aprendizado nessa jornada é capaz de nos levar aonde quisermos ir, na companhia de quem desejarmos estar.
Em Fernão Capelo Gaivota, encontrei um bálsamo para aplacar as tristezas típicas escolares, que sempre surgiam quando um colega, elevado ao posto de amigo, mudava de escola, ou ia embora da cidade. A temática toda girava em torno da auto-superação, sugerindo um vôo espiritual, nada mais do que uma metáfora filosófica simpática à ideia de que nem a distância pode realmente nos separar dos verdadeiros amigos. Fernão ensinava que, quando queremos estar com alguém, ao pensarmos nele, já estamos com ele, nesse transportar de afetos através de um vôo imaginário, que também serviu de ponte entre eu e Francisco, em nossos respectivos continentes, vidas e famílias.
Ao unirmos nossas sombras e gosto pelos poemas, passamos a estar juntos, mesmo separados, utilizando os telemoveis a fotografar situações do nosso quotidiano, cada um no seu espaço e jornada pessoal, projetando também nossas inquietações sobre a existência humana, o estar e não estar, questionando a sensação de impermanência e finitude que paira no ar, nesses tempos complexos, mas também partilhando alegremente nosso gosto por fotografia, poesia, natureza, viagens, cores, sabores, movimentos, e mesmo as pequenas coisas do dia-a-dia, tão simples mas significativas, como uma gaivota riscando o céu numa tarde de verão.
Um projeto para repensar os vestígios que deixamos e o tempo, que nos escapa, num tempo em que tudo muda, o tempo todo. Ainda que o instante passe e a sombra se desvaneça no findar do dia, permanecerá sempre em nós o desejo de voar…
DESTE LADO
De nós.
a sombra da rua que acontece
a sombra do jardim que irradia
a sombra do mar absoluto
a sombra do chapéu que é pato
a sombra da fotografia que espanta
a sombra da universidade que não é caos
a sombra da natureza que é um mistério.
Do instante.
na sombra que passa com pressa
na sombra que nos agiganta e reduz
na sombra que se cruza e nos cruza
na sombra que fugiu e voltou
na sombra que une e separa
na sombra que foi e já não é
na sombra que será outra sombra.
Do desejo.
na sombra da viagem
na sombra do mito
na sombra do instante
na sombra ausente
na sombra que escapa
na sombra que pára
na sombra que corre
na sombra da vertigem
na sombra que ri
na sombra do outro
na sombra de nós.
Uma sombra, sombra de tudo, de um tudo que é nada [também] e por tudo isso ser, é a sombra do universo também.
DO FIM
Este pequeno ensaio mais não é do que uma expressão de momentos fugazes que a sombra espelha e a linguagem poética enfatiza. São momentos paralelos vividos em separado, em duas cidades de dois países distantes, Brasil e Portugal, que por tão distantes estarem motivaram esta vontade de os unir. As fotografias – sombra e os poemas escolhidos em Do Porto ao Porto, de poetas brasileiros e portugueses, são na realidade um espelho de momentos vividos lá e cá, expressando imagens do quotidiano com os seus protagonistas.
São metáforas da amizade, da proximidade distante, dos dias que passam, do amor pela arte, na fotografia e poesia. A Arte, o único espaço no qual somos verdadeiramente livres.
a sombra…
o poema,
nós.
Textos e ensaios visuais: Francisco Mesquita & Madeleine Müller
Publicado a 07-10-2022
Referências
LOCALIZAÇÃO
LOCAL: RS
LATITUDE: -30.00471308946572
LONGITUDE: -51.18838933476564