Detroit: uma paisagem em ruína na fotografia de Doug Rickard e Philip Jarmain

A cidade de Detroit, nos Estados Unidos, exerce grande fascínios sobre os Street Photographers seja pelo seu momento de glória como uma cidade opulenta e glamourizada, berço das mais importantes indústrias automotivas do país e modelo de uma arquitetura moderna e grandiosa , seja por sua paisagem em ruína que se revela na atualidade. Fotógrafos como William Eaggleston, Robert Frank, Doug Rickard e Philip Jarmain estão entre os que retrataram Detroit . Os dois primeiros revelaram imagens de uma época áurea , entre as décadas de 1950 e 1960,  em que  a cidade se destacava como uma das principais dos Estados Unidos em número de habitantes e em geração de riquezas. Capital do automóvel, um terço da produção automobilística mundial era proveniente de Detroit. Próspera, reunia trabalhadores de todo o país em suas fábricas e comércio local, além das estrelas de cinema e magnatas ligados à metalurgia. No entanto, em 1970, com a entrada dos concorrentes japoneses na indústria do automóvel, a cidade entra em recessão e as fábricas fecham. Com o desemprego em massa, os trabalhadores migram para outras regiões do país deixando para trás uma cidade em franca decadência. É este cenário de abandono, degradação e paisagem em ruína, que chama a atenção dos fotógrafos contemporâneos Philip Jarmain e Doug Rickard, cujas obras foram escolhidas para este ensaio por conta da semelhança com as temáticas adotadas e do contraste em suas imagens e técnicas de trabalho.

Jarmain é um street photographer canadense, que desde 2010, registra a paisagem de uma Detroit em ruína. Em American Beauty – The Opulent Depression Architecture of Detroit, Jarmain revela a destruição de prédios suntuosos, elaborados por grandes nomes da arquitetura como: Albert Kahn, Sidney Rose Badgley, Wirt Roland e Smith Group. A obra, que fez parte de uma mostra na Meridian Gallery, em São Francisco, na Califórnia, em 2013, evidenciou os contrastes entre beleza e ruína, além da espantosa destruição de uma cidade retratada em grandes formatos.

Na página do fotógrafo Philip Jarmain estão imagem de locais como a Woodward Presbyterian (2013) e a Fisher Body Plant (2013) em que pode-se notar que, mesmo diante da destruição, é perceptível a grandeza e a riqueza dos detalhes  a evocar uma memória daquilo que a cidade um dia foi. Entre paisagem, ruína e memória , há uma tensão entre passado e presente, vida e morte, numa fragmentação do tempo que se alinha com a noção da fotografia enquanto fragmento (Barthes, 1984). Ao fotografar a paisagem em ruína, a imagem evidencia uma ambiguidade e ambivalência entre tempos, o que possibilita uma “imagem dialética”  (Walter Benjamim, 1994),  que coloca a ruína enquanto uma metáfora para o entendimento da história, uma imagem catastrófica que guarda em si a possibilidade de redenção. Afinal, as ruínas são indicialidades de resistência ao tempo que se foi. Em American Beauty ficam evidentes as “imagens dialéticas” que tensionam o tempo e características como prosperidade e falência, dedicação e abandono.

Na busca por um outro fazer fotográfico, o sociólogo e  street photographer, Doug Rickard,  buscou inspiração em imagens clássicas de Walker Evans, William Eaggleston e Robert Frank para a construção de seu trabalho. No entanto, ao invés de registrar a paisagem fisicamente no campo em que se encontra, o artista deambula pelas ruas da cidade através da malha cartográfica do Google Street View. Em A New American Picture (2010), Rickard  se aproxima de Robert Frank e dos registros que deram origem a The Americans (1959), em que Frank registrou imagens que representassem o modo de vida do cidadão dos Estados Unidos mesmo àquelas que não faziam parte do conceito imaginário de um American Way of Life.  De modo semelhante e com olhar de sociólogo que é, Doug Rickard procura evidências imagéticas acerca das lutas de classes, tensões raciais, desigualdades socio-econômicas e paisagens em ruína. Com uma estética diferente daquela utilizada por Philip Jarmain e tendo como foco a degradação do espaço urbano como um todo e das relações sociais, políticas e económicas, Rickard retrata a decadência, o caos e as diferenças entre uma Detroit dos tempos áureos e a aquela que é  vista atualmente. Em contraste estão os automóveis, os prédios, as ruas, o glamour que já não há (imagem 3).  Com A New American Picture, Rickard foi um dos seis artistas a integrar a exposição New Photography 2011, no Museu de Arte Moderna (MoMa), em Nova Iorque.  Em Cenários em Ruínas: a realidade imaginária contemporânea, Nelson Brissac Peixoto (1987) analisa de que maneira é  construída a identidade e o imaginário coletivo acerca das cidades e de que modo as imagens cinematográficas e fotográficas podem auxiliar nesta construção. Para Peixoto (2010), neste processo, por vezes os habitantes sentem-se estrangeiros ao perceber a cidade de modo diverso daquele que é comunicado. O Olhar de Rickard e de Jarmain remonta ao de um viajante que deseja retomar algo que ficou para trás, mas que ao retornar encontra tão somente as ruínas de um tempo que não volta mais. Esta dialética entre o passado e o presente revela um estranhamento e daí o fascínio em se registrar a beleza do caos  e as ambiguidades temporais desta que foi uma das mais imponentes cidades dos Estados Unidos.

 

             Imagem 1: A New American Picture, Detroit, 2010

  Crédito: Doug Rickard (Google Street View)

 

           Imagem 2: A New American Picture, Detroit, 2010

Crédito: Doug Rickard (Google Street View)

Por: Elaine Trindade, 11/2019

Referências bibliográficas:

Barthes, R. (1984). A Câmara Clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Benjamin, W. (1994). Obras Escolhidas III: Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense.

Peixoto, N.B. (2010). Cenários em Ruínas: a realidade imaginária contemporânea. Lisboa: Gradiva.

 

 

 

 

 

 

 

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