Café Central (Estigma #03)

Antes de entrar, ele confirma a morada. Travessa do Repouso nº 17. Há uma pequena placa com o nome da agência. Discreta. Entra. Estão à sua espera. Cumprimentam-se, trocam sorrisos, e saem de seguida, molhos de chaves na mão. As primeiras, do carro, que os transportam até ao centro. As segundas do estabelecimento, na Praça da Igreja Velha.

Antes de entrar, ele aprecia a fachada. Entre os longos vidros da montra, os mármores contorcidos, a porta giratória em madeira de carvalho, os baixos gradeamentos enegrecidos, sobressaem as pinturas douradas nos vidros. “Café Central”. Observa-as demoradamente. Há uma imponência no nome, mas também no tipo de letra, que não deixa dúvidas. Aqui é o centro. Este é o café do centro. Podem existir outros, mas é aqui que querem vir. É aqui que querem estar.

Ele entra. Já conhece a casa, de tantas fotografias, plantas, descrições. Agora sente também a atmosfera, o ar carregado, solene. Imagina o passado, no auge do estabelecimento, cheio de clientes, as tertúlias, os manifestos, visitas de ilustres. Observa que numa das paredes, fotografias antigas testemunham a visita de pelo menos 2 presidentes de república. Mais alguns cantores famosos e um futebolista.

Agora nada. Fechou há dois anos, como tantos outros, que não evoluíram, não acompanharam o ritmo dos tempos modernos.

Ele faz a vistoria completa. Salas interiores, cozinha, zona de arrumos, casas de banho, piso superior com escritório, sala de chá, sala VIP. Tudo como tinha lido na descrição.

Respira fundo, ganha a certeza do passo que vai tomar. O trespasse é arriscado, mas a transformação que lhe vai dar, com a hamburgueria artesanal no piso inferior e os quartos B&B no piso superior, serão rendimento garantido. Nas várias simulações e previsões que fez, mesmo nas mais pessimistas, conseguirá sempre ter lucro.

Olha uma última vez para o espaço, para o balcão e finalmente para os vidros, com os dourados “lartnec efac”. Talvez mantenha o nome, afinal conservar algo do passado pode ser uma vantagem. Tirou a caneta da algibeira e apertou os maxilares.

Autor: Carlos Norton

Ficha técnica

Som gravado com binaurais Roland CS-10 EM

E#03

Café Central (Pereiro, concelho de Alcoutim) (26.01.23 ; 11:57)

37,46008; -7,595903

Gravação sentado numa mesa da sala interior do café.

Publicado a 10/03/2023

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