Ativismo estampado nas varandas de Barcelona

O quadriculado das varandas nas fachadas dos prédios residenciais são o breve espaço a partir do qual, da rua, imaginamos cada morada. No livro A Casa & a Rua, o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta incluía as varandas entre os espaços “arruados” das casas. Espécie de praça de uma residência, uma ponte entre o interior e o exterior. No caso dos apartamentos, também uma vitrine, na qual cada morador se mostra ao público.

Também em Portugal, é frequente vermos a intimidade das roupas expostas nos estendais ou pequenos detalhes, tais como a declaração de fé a uma santa em azulejos, ou ainda um cuidado jardim pendurado nas sacadas. Em cada um destes microespaços, pode revelar-se um pouco das vivências e da cultura dos seus moradores.

De passagem pela cidade de Barcelona, nos últimos dias de janeiro passado, olhando para estes cubículos virados para a rua, a Passeio mirou estas fachadas com a intenção de perceber algo bastante aflorado naqueles dias: a questão catalã.

Até há pouco tempo atrás, nesta cidade espanhola, era fácil avistar bandeiras com a estrela branca estampada sobre o triângulo azul e linhas amarelas e vermelhas – o símbolo da luta pelo separatismo na região. Na altura do conturbado cenário político que se desenrolou na cidade após o outubro de 2017, quando o governo da região declarou independência, vislumbrámos uma mudança significativa na paisagem: as omnipresentes cores separatistas disputavam espaço com o pano inteiramente amarelo e vermelho da bandeira espanhola.

A nossa visita ocorreu entre os dias 29 de janeiro de 2 de fevereiro de 2018. Naquele período, alguns dos líderes do movimento separatistas encontravam-se presos, acusados de crime de rebelião (entre outros) pelo governo de Madrid. O ex-presidente catalão, Carles Puigdemont, estava então refugiado na Bélgica.

Em muitas varandas, um brado! Um posicionamento. Sou contra. Sou a favor. Olhar para cima de maneira mais demorada revelou ainda uma série de desdobramentos dessas expressões. As varandas abrigavam a disputa entre vizinhos, com bandeiras que se opunham lado a lado. Também denúncias de censura à liberdade de expressão (referência à tentativa de Madrid de evitar o referendo), cartazes apelando à desobediência civil, e até uma Bandeira do Urso, em menção à revolta mexicana que no século XIX tentou instaurar a república da Califórnia.

Para além da questão nacional, registámos também um protesto solitário contra a matança de animais nas touradas e até temas menos inflamados, como a presença uruguaia na capital Catalã, a paixão pelo futebol (dividindo espaço com a política) e intervenções artísticas.

Por Fábio Marques, 05/2018

LOCALIZAÇÃO

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