13 Jul, 2020

Chamada para o Passeário

O que é a cidade?

Objetivo: Desenhar de forma participativa uma cidade imaginária, tendo por fim a sua materialização numa cartografia interativa.

Este Passeário é um projeto em andamento que procura explorar e compreender, tanto a cidade-território como a cidade-imaginária contemplando diferentes paragens, entre as quais:

1. A primeira paragem consiste em registar o testemunho dos colaboradores da Passeio sobre as suas experiências, conhecimentos e imagens associados à ideia de cidade. Cada membro da equipa é convidado a redigir um breve texto entre 1500 e 2000 palavras que fará acompanhar por referências a:

a) Uma obra/texto literários;

b) Uma obra cinematográfica/filme/documentário;

c) Uma peça sonora.

Em alternativa, admite-se a possibilidade de uma produção essencialmente visual, ainda que acompanhada do mesmo tipo de referências acima listadas.

Estes registos e referências serão discutidos num encontro entre os colaboradores da Passeio e constituirão as componentes de uma obra coletiva em formato digital que será divulgada na plataforma da Passeio, em várias modalidades.

Deadlines:

  • Envio dos textos: 13 de julho (prazo estendido)
  • Publicação do Passeário na Plataforma: em curso
  • Encontro: data a definir

2. Numa segunda paragem, prevê-se a realização de um ciclo de Passeios temáticos pelas cidades, abertos à comunidade, ao longo dos quais os participantes farão registos de natureza diversa das suas experiências.

Os materiais produzidos serão publicados como obra coletiva e divulgados na plataforma.

 

Temática: Passeio e cidade

 

Cidade das águas, cidade selva, cidade desejo, cidade poder, cidade letrada, cidade vicio, cidade

perdição-

in Bento da Silva & Marino do Nascimento (2013)

 

O que é a cidade? Podemos imaginar um amplo universo semântico em que se desdobram mil folhas de sentidos. A cidade-global, a cidade-(pós)histórica, a cidade-dual, a cidade sustentável, a cidade vivida, a cidade dos corpos, a cibercidade e a cidade-inteligente, a cidade-natureza, a cidade-museu, a cidade-simulacro…

A permanente transitoriedade, o movimento dos carros, autocarros, barcos, comboios, metros, elétricos, pintalgam a visão cinematográfica de que nos fala Friedberg (2002), descrevendo o modo como experienciamos a cidade, através de uma telemática privada, à medida que avançamos pelas ruas ou avenidas e desfilam perante os nossos olhos fachadas, praças, multidões, cartazes, luzes. A cidade-vertigem, que tal como ilustrada em O Homem da Câmara de Filmar inebria os sentidos dos transeuntes, contrapõe-se ao desejo da slow-city, a cidade sonhada no verso da ideia de modernidade, redesenhada através da substituição do automóvel pela bicicleta ou trotinete, do grande supermercado pelo pequeno comércio, do anonimato pela relação de proximidade e vizinhança. A cidade pode ser uma realidade que se rejeita, sobrepondo-lhe camadas de cidades imaginadas, emergentes no ‘campo dos possíveis’ (Rancière, 2010). Entre a projeção noutros lugares virtuais e utópicos, erguidos sobre a recusa ou a crítica dos lugares vividos, e a cidade que conhecemos, cabem gradações quase infinitas. De lugar apaixonante, celebrado pelos filmes de Woody Allen ou pelas fotografias de Cartier Bresson, a lugar arriscado e temerário (Bauman, 2005), de paisagem global ecrãnizada (Lipovestsky & Serroy, 2007) a realidade rizomática (Lemos, 2004), cartografada pelas APPs e Free WI-FI e medidas pela inteligência artificial são múltiplas as visões da(s) cidade(s) hoje, tal qual experienciadas ou imaginadas.

Como se desenha o mapa mental, a ‘imagem da cidade’ (Lynch, 2009) do ponto de vista de quem a habita? De quem a percorre? Centro (histórico)-periferia, dentro e fora da cidade, são hoje coordenadas em disrupção? Que sentidos haverá a descobrir numa história da cidade passada (Mumford, 1998) ou futura? Quais as margens de liminaridade que o flanêur/flaneuse da (pós)-modernidade poderão ainda explorar? Que mistérios lhe estarão ainda reservados? Poderão as personagens de Paul Auster saltar para fora de A Trilogia em Nova Iorque, entregando-se à deambulação por entre os subtis enigmas de outras cidades? Como se vive nos micro-universos escondidos dentro-fora da cidade? Quando se fala de cidade, falamos de quê? Da gestação de uma ruína? Do fim do corpo movente, uma vez libertado pela velocidade ao mesmo tempo que paralisado pelo acidente do tempo presente (Virilio, 2000)? De uma ideia em crise? De que modo se figura hoje a ideia de cidade no cinema, na arquitetura, nas artes visuais, na música, na literatura? Que relação se desenha entre a vida do nosso quotidiano e a cidade? Qual a importância de se pensar a cidade?

“A minha cidade são cidades”. Assim inicia Pinto Ribeiro a sua publicação designada Abrigos, condições das cidades e energia da cultura (2004), pensando sobre “uma nova paisagem geográfica e cultural híbrida”, ao mesmo tempo que “nostálgica de uma modernidade humanista”. Que práticas de relação mantêm os habitantes com o espaço habitado? Poderá pensar-se a cidade como um palco onde se (re)presentam os direitos, individuais e coletivos, à imagem da res publica, nos termos de Lefebvre (2012)? Fará sentido falarmos sobre ‘o fim da experiência urbana’ (Felice, 2012)? Terá a cidade sido substituída pelas ‘formas comunicativas do habitar’) (Felice, 2012) ou pelas media cities (McQuire, 2008)? Desafiando-nos a pensar sobre a ideia de ‘cidade’ Cacciari (2010) avança: “A cidade enquanto tal não existe. Existem diferentes formas de vida urbana…”!